sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

E O TEMPO LEVOU



Seis horas.....Ave Maria!

E o tempo levou mais um dia e com ele, sonhos, esperanças, porque o tempo não perdoa, leva tudo o que traz. Adoça-nos a vida com um pouco de alegria e depois atira-nos às portas de um mundo de recordações, às vezes iluminado por doces lembranças, e outras vezes melancólicas e escuro, com passagens que não gostaríamos de lembrar. E aí no que mais nos damos a pensar nas coisas que ele levou e que não voltarão, jamais. E o tempo levou tanta coisa! Coisas que vemos desfilar na imaginação, como numa tela imensa do passado. Da longínqua infância, aos dias mais recentes de adultos desesperados em encontrar uma razão para tudo. E o tempo levou tanta coisa! Os piqueniques na Bica do Ipu, as caçadas de avoantes pelas caatingas secas do sertão agreste, a espera dos marrecos nas noites cálidas, ao som da música silvícola dos grilos, as estiradas pelas areias quentes das estradas vazias, os sambas do Zé Timbó, a Ritinha de Tranças no seu vestido de chita que desempossava os corações que ela se aproximavam, a cacimba do Bonito, onde todas as tardes as mocinhas iam buscar águas nos potes, o cheiro do mato, os pingos das primeiras chuvas que rescendia a perfumes de puras essências...Os companheiros, os velhos e bons amigos de outrora, confidentes das coisas simples que machucavam nossos corações então abertos para a mais sutil presença do amor. Velhos e bons amigos, desgarrados por este mundo afora, como retirantes, em busca de Canaã sonhada e poucas vezes encontrada. A Missa aos domingos, as novenas, a bandinha no patamar da Igreja singela, orgulhosa, incansável, espargindo sons pela praça inteira. O Maciel no piston, o Chico Gordo no contra-baixo, o Romualdo no trombone, o Lira na trompa eram os astros da bandinha do Seu Caboclinho, o Major. E vamos desfilando no imenso rosário de recordações: as Festas de São Sebastião, as imensas procissões que se encontravam na saída da igreja, após darem a volta pela cidade. O Monsenhor Gonçalo, pastor incansável e imparcial, que atendia com o mesmo amor, caridade, a ricos e pobres. As paradas de sete de setembro, 15 de novembro e de tantas outras importantes. O tenente Clóvis, imponente no seu traje de gala, orientando a meninada desajeitada, massa reverente. Ah! Que saudade consoladora! E vamos recordando as serestas cantadas ao luar, sob as janelas, e cujos sons, às vezes desafinados, penetravam nas ruazinhas estreitas e solitárias ou, quando não atingiam a sensibilidade das mocinhas casadeiras nas alcovas mornas e puras, perdiam-se entre as folhas das mangueiras misteriosas. Ah! Serestas da minha juventude! São algumas que o tempo levou da minha vida. E da sua, certamente, ele carregou também muitas cenas parecidas... amáveis e inesquecíveis cenas que permanecem apenas na imorredoura saudade, que ora atormenta, ora serve de balsamo para as feridas da alma num minuto tranqüilo da velhice. O tempo não perdoa. Ele marca devagar, quase com sadismo, mas passa depressa, tão depressa que quando a gente menos percebe, está distante, como uma vaga sombra nos confins da nossa memória. Bem vamos acordar... porque a vida continua. (26.08.1992 – Osires Mourão – Livro “O Ipu em noite de serenata” de Francisco de Assis Martins (Professor Melo).

0 comentários:

 
123456 © 2009 Template feito por WWW.OVMNET.COM